Instrução Normativa da Receita Federal sobre monitoramento das movimentações financeiras, incluindo Pix, gerou uma enxurrada de fake news e fez governo a recuar da
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou na abertura da reunião ministerial que “nenhum ministro” vai poder fazer portaria sem antes passar pela Casa Civil. A fala foi em referência a crise do Pix, gerada por uma instrução normativa da Receita Federal que entrou em vigor na virada do ano e causou uma onda de fake news sobre a taxação do Pix e uma série de dúvidas nos brasileiros, especialmente trabalhadores informais.
— Daqui para frente, nenhum ministro vai poder fazer uma portaria que depois crie confusão para nós sem que passe pela presidência através da Casa Civil. Muitas vezes a gente pensa que não é nada, faz uma portaria qualquer e depois arrebenta na Presidência da República — afirmou Lula em sua fala inicial no encontro que ocorre na Granja do Torto, em
A fala de Lula é uma crítica direta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que comanda pasta que abrange a Receita Federal. O órgão passou a exigir das chamadas fintechs algo que já era cobrado dos bancos tradicionais: notificar movimentações globais a partir de um determinado valor.
Movimentações acima de R$ 5 mil para pessoas físicas em Pix ou em outras transações financeiras, como TED e cartão de débito seriam informadas à Receita. Na última quarta-feira, no entanto, o governo resolveu suspender a medida para tentar conter a onda de desinformação iniciada com ela.
Haddad afirmou que a revogação da norma foi decidida pelo governo para “evitar distorção”. Ele reforçou que o governo vai buscar responsabilização judicial contra aqueles que espalharam notícias falsas sobre o tema ou promoveram golpes a partir das mudanças.
— Essas pessoas vão ter de responder pelo que fizeram, mas não queremos contaminar a tramitação da MP, até que de fato se esclareça no Congresso o que aconteceu nos últimos dias sobre uma coisa séria que a Receita está fazendo.
Embora tenha decidido recuar da normativa que pretendia ampliar mecanismos contra sonegação fiscal, Lula ficou contrariado em ter que voltar atrás enquanto a oposição explorava fake news a respeito do pix.
Ministros reclamaram que o governo cedeu à pressão da oposição e que não conseguiu reagir a altura da repercussão do vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira. A gravação ultrapassou até sexta-feira, 314 milhões de visualizações só no Instagram, e sugere que o aumento da fiscalização das transações poderia representar no futuro a taxação das movimentações via Pix.
Em entrevista ao GLOBO, o ministro dos Transportes, Renan Filho, avaliou que o governo errou ao ceder às críticas e à pressão da oposição. Na visão de Renan Filho, o Executivo tinha o “argumento certo” e se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tivesse entrado numa campanha, teria superado a propagação de “mentiras”.
— Na política, sempre se tem que perseverar na discussão e convencer as pessoas, sobretudo quando você está com o argumento certo. O vídeo que o Nikolas gravou é mentiroso. Tem que ser combatido por alguém do tamanho do ministro Fernando Haddad — afirmam Filho.
A reunião que chancelou o recuo, na tarde de quarta-feira, teve decisão unânime entre Lula e os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Jorge Messias (AGU) e Sidônio Palmeira (Secom). Horas antes dessa conversa, no entanto, o próprio Haddad avaliava que o governo não devia recuar.
Recém-chegado ao Planalto, Sidônio foi um dos fiadores da decisão de Lula, que foi acatada por Haddad e Messias. Um dos argumentos era de que a batalha estava perdida junto à opinião pública. A avaliação interna foi de que com a proporção que a fake news do pix tomou, uma campanha publicitária não seria capaz de contornar os impactos de quase duas semanas de desinformação.
De férias entre a 15 e 19 de janeiro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, também estava sintonizado com Sidônio Palmeira e concordava com o recuo. Nos corredores da Casa Civil, havia críticas a própria função da medida da Receita Federal, sendo que os bancos digitais já eram monitorados pelo órgão.
Na quinta-feira, governo editou uma medida provisória (MP) para reforçar a gratuidade e o respeito ao sigilo bancário das transações feitas pelo Pix. Além disso, a MP prevê explicitamente que os pagamentos com Pix se equiparam ao dinheiro em espécie, sendo proibida a aplicação de qualquer taxa sobre a operação.
Segundo a medida, constitui prática abusiva “a exigência, pelo fornecedor de produtos ou serviços, em estabelecimentos físicos ou virtuais, de preço superior, valor ou encargo adicional em razão da realização de pagamentos por meio de Pix à vista”. Caso haja infração, a MP determina que o comerciante estará sujeito às penalidades previstas na legislação do direito do consumidor.
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