A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou na noite desta quarta-feira, 13, ao Supremo Tribunal Federal (STF) as alegações finais no processo em que ele é acusado de articular uma trama golpista para permanecer no poder após a derrota nas eleições de 2022.
Os advogados apontam a acusação como “absurda” e pedem a absolvição do ex-presidente sob o argumento de que não há provas, inclusive para ligá-lo ao ato golpista de 8 de Janeiro e ao plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades brasileiras. Ao final, também requisitam que o julgamento seja imparcial.
A defesa diz que o processo é “tão histórico quanto inusitado” e descreve um quadro na qual Bolsonaro é vítima de um massacre da imprensa, deixando implícito que ele seria vítima de julgamento prévio pela mídia.
“Os réus são tratados como golpistas, como culpados, muito antes de a defesa ser apresentada. Uma parte expressiva do país, a maioria da imprensa não quer um julgamento, quer apenas conhecer a quantidade de pena a ser imposta”, diz a peça.
“Não há como condenar Jair Bolsonaro com base na prova produzida nos autos, que demonstrou fartamente que ele determinou a transição, evitou o caos com os caminhoneiros e atestou aos seus eleitores que o mundo não acabaria em 31 de dezembro, que o povo perceberia que o novo governo não faria bem ao país”, justificam os defensores.
Os advogados sustentam ainda que, mesmo que todas as condutas atribuídas a Bolsonaro pela Procuradoria-Geral da República (PGR) fossem verdadeiras, ele não poderia ser punido pois não passariam de atos preparatórios, “cuja proposta de punição foi rechaçada pelo Congresso Nacional, apesar de admitida em outros países”.
O prazo para apresentação da posicionamento das defesas de sete réus do chamado “núcleo crucial” se esgota ao fim deste dia. Apenas Mauro Cid, por ser delator, já tinha enviado sua defesa em outro momento.
Bolsonaro também apontou cerceamento da defesa, com ausência de tempo razoável para conhecer as provas da investigação, e pediu a nulidade da delação de Mauro Cid.
A defesa argumenta também que há uma contradição no apontamento que havia uma minuta de decreto que previa a prisão de Alexandre de Moraes ao mesmo tempo que um plano para assassinar o ministro do STF e outras autoridades.
“Além de tudo isso, [Bolsonaro] também seria responsável pelos atos de 08 de janeiro, mesmo que o primeiro ‘plano de golpe’ não tenha se consumado porque a maioria dos militares não o apoiavam. Uma contradição óbvia”, escrevem os advogados.
Após esta etapa, o ministro Alexandre de Moraes poderá produzir seu relatório e solicitar uma data para o julgamento do processo na Primeira Turma do STF. Caberá ao ministro Cristiano Zanin, presidente da Turma, oficializar a data. Contudo, o Estadão apurou que as sessões das terças-feiras do mês de setembro estão reservadas para tal.
Bolsonaro é acusado de cinco crimes que, somados, podem render 43 anos de prisão, se consideradas as penas máximas e os agravantes de cada um deles. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, o ex-presidente não apenas tinha conhecimento do plano golpista como liderou as articulações para dar um golpe de Estado após a derrota eleitoral em 2022.
Ele responde por organização criminosa (pena de 3 a 8 anos, podendo chegar a 17 com agravantes), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (pena de 4 a 8 anos), golpe de Estado (pena de 4 a 12 anos), dano qualificado com uso de violência e grave ameaça (pena de 6 meses a 3 anos) e deterioração de patrimônio tombado (pena de 1 a 3 anos).
Discussão com militares era para evitar caos social, e não debater golpe, diz defesa
Em outro trecho das alegações finais, os advogados rebatem a tese de que Bolsonaro se reuniu com chefes militares após as eleições para questioná-los se as Forças Armadas embarcariam em uma tentativa de golpe de Estado. Segundo a versão da defesa, o objetivo do ex-presidente era discutir uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para evitar o “caos social” no País após caminhoneiros anunciarem fechamento de estradas.
Eles classificam como “subjetiva” a avaliação do brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, que disse ao STF ter abandonado uma reunião com o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, após questionar se o documento discutido no encontro previa que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tomasse posse.
“Se em algum momento as discussões foram ou não desviadas para outras medidas, isto é percepção subjetiva e pessoal do brigadeiro, não fato. O que se tem de factual é o general Freire Gomes não ameaçando uma prisão, mas alertando a necessidade de cuidado, para medidas como a GLO que podiam levar a outras medidas cuja ilegalidade deveria ser objeto de análise”, afirmam os advogados do ex-presidente.
Os defensores de Bolsonaro dedicam uma parte do documento para contestar a delação de Cid. Eles afirmam que o delator mentiu e que a investigação utilizou as mesmas táticas adotadas pela Operação Lava Jato – prisão preventiva com proibição de visitas de familiares e a inclusão deles em inquéritos – para forçar a delação premiada.
Segundo a defesa, não há nos autos do processo a suposta minuta de decreto prevendo a prisão de várias autoridades, texto que posteriormente teria sido “enxugado” por Bolsonaro para atingir apenas Moraes.
“A falha na acusação é profunda. Descortina que essa narrativa sobre um decreto com prisões diversas existiu apenas na palavra não corroborada do delator, e exibe o vazio da presunção de que as minutas teriam sido alteradas pelo ex-presidente”, diz a peça da defesa.
A defesa também contesta o pedido da PGR para que apenas parte da delação de Cid seja levada em conta. “É a primeira vez na história que se vê o requerimento para a aceitação parcial de uma delação. Fala-se em omissões e ambiguidades, mas insiste-se em aproveitar parte da delação e premiar o colaborador”, escreveram os advogados.
“A suposta trama imputada ao Peticionário [Bolsonaro] como líder de uma organização criminosa armada vem narrada pela palavra de um colaborador omisso, ambíguo, seletivo e resistente. E, como se provou agora, que insiste em mentir”, continuam eles.
Demais réus do ‘núcleo crucial’ também pedem absolvição
Além de Jair Bolsonaro, os réus do chamado núcleo crucial que apresentaram alegações finais são Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Augusto Heleno e Walter Braga Netto. Todos pediram para serem absolvidos dos crimes imputados pela PGR. A defesa de Alexandre Ramagem argumentou que ele deixou o governo Bolsonaro em março de 2022, antes do período em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta que houve “recrudescimento” das ações golpistas. Os advogados pedem que esse fato seja levado em conta na hora de calcular a pena em caso de condenação.
Na peça enviada ao Supremo, a defesa do parlamentar argumenta ainda que todos os outros integrantes do chamado núcleo crucial faziam parte do governo Bolsonaro e das Forças Armadas em 2022. Também afirma que a acusação da PGR “fere a lógica” ao sustentar que Ramagem trabalhava para abolir as estruturas democráticas, pois isso impediria o funcionamento do Poder Legislativo para o qual ele acabara de ter sido eleito.
Já a defesa de Anderson Torres pediu a absolvição do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública. Condenando os ataques de 8 de janeiro, os advogados afirmaram que a acusação é um “roteiro ficcional” para responsabilizá-lo por crimes que não cometeu.
Argumentaram que a viagem de Torres aos Estados Unidos, na véspera dos ataques, já estava marcada e não pode ser associada à trama golpista. Também questionaram a competência do Supremo para julgar o caso, solicitando o envio do processo a uma Vara Criminal do Distrito Federal.
A defesa de Augusto Heleno, por sua vez, pediu que o STF reconheça o impedimento ou a suspeição do ministro Alexandre de Moraes para atuar no processo. Solicitou ainda a anulação da ação a partir do interrogatório do réu, alegando que a forma como as perguntas foram registradas teria causado prejuízo ao general.
Também pediram a absolvição de Heleno, sustentando que as provas mostram ausência de participação na trama golpista. “Na remota hipótese de condenação, que seja aplicada a causa de diminuição de pena por participação de menor importância”, afirmou a defesa.
Preso preventivamente desde dezembro do ano passado, o ex-ministro da Defesa e general da reserva do Exército Walter Braga Netto foi o segundo réu a apresentar as alegações finais. Na peça, a defesa do militar afirma que o processo está “maculado por nulidades” desde o seu início e que os fatos imputados ao Gen. Braga Netto não constituem crimes sequer em tese”.
Os advogados argumentam ainda que “não há comprovação de que tenha participado de qualquer tentativa de ruptura da ordem democrática”. A peça afirma ainda que Moraes é parcial e que as acusações contra o general se resumem “à ilícita delação” de Mauro Cid e imagens adulteradas de conversas de Whatsapp.
Já a defesa do general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, argumentou que ele atuou ativamente para evitar realização de um golpe de Estado, “aconselhava o presidente da República (Jair Bolsonaro), no sentido de que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições”.
O documento enviado ao STF afirma ainda que o general “era totalmente contrário à adoção de qualquer medida de exceção, insurreição, golpe etc”, e que ele temia que assessores radicais levassem Bolsonaro a assinar uma “doideira”.
Os advogados do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, rechaçaram que ele tenha oferecido tropas para o golpe e colocaram em xeque o depoimento do ex-comandante da Marinha Baptista Júnior. A defesa Almir Garnier também negou que ele tenha recebido qualquer ordem ilegal para ser cumprida e pediu a absolvição dele por todos os crimes imputados.