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Denúncia contra Bolsonaro tem lacunas, apesar de acumular evidências de trama golpista

Pontas soltas incluem 8/1 e plano de matar autoridades; defesas devem questionar também delação

denúncia formulada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) acumula evidências contra Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados de tramar um golpe de Estado em 2022, mas há pontas soltas e ausência de provas materiais sobre a participação dos réus em determinadas situações.

Conclusões da PGR carentes de indícios robustos foram usadas pelas defesas do ex-presidente e dos outros acusados do núcleo central do processo para tentar negar por completo a trama golpista.

A acusação traz fortes elementos de vinculação de Bolsonaro com as chamadas minutas golpistas, corroborada por depoimento de 2 dos 3 comandantes das Forças Armadas em seu governo, e mostra gestos e declarações de cunho golpista feitos às claras pelo ex-presidente em seu governo.

Os advogados, por sua vez, argumentam que parte da denúncia se baseia apenas nas declarações do delator do processo, o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente. Eles afirmam que o militar promoveu vaivém de versões e não é uma fonte confiável e que não há provas independentes que confirmem seus depoimentos.

As defesas também afirmam que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, chegou a conclusões equivocadas sobre documentos apreendidos durante a investigação. Teria transformado, por exemplo, anotações do ex-ministro Augusto Heleno em atos concretos de construção da narrativa contra as urnas, segundo os advogados.

‘Anuiu’ de Bolsonaro

A denúncia diz que Bolsonaro tomou conhecimento e “anuiu” ao plano “Punhal Verde e Amarelo”, do general da reserva Mário Fernandes, que tratava do assassinato de autoridades, como Lula (PT) e Alexandre de Moraes.

A acusação levanta indícios de que o documento foi impresso no Palácio do Planalto e levado ao Palácio da Alvorada em momentos coincidentes com a presença de Bolsonaro nos dois locais, mas não há conhecimento de provas materiais que comprovem que o ex-presidente tenha concordado com ele.

O principal elemento indicado pela PGR para sustentar que Bolsonaro concordou com o plano é um áudio enviado por Mário Fernandes para Mauro Cid. “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo [Lula], não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro”, diz trecho do áudio.

A conclusão de Gonet avança um grau em relação ao entendimento da PF, que afirmou que Bolsonaro sabia do plano “Punhal Verde Amarelo”, mas não fala que ele tenha autorizado sua execução.

Em manifestações anteriores, o ex-presidente negou ter tido conhecimento do plano ou que tenha discutido assassinato de autoridades.

Dinheiro de Braga Netto

Com base na delação de Mauro Cid, a PGR acusa o ex-ministro Walter Braga Netto de ter entregado dinheiro vivo, guardado em uma sacola de vinho, para viabilizar as ações militares clandestinas para “neutralizar” Moraes.

Cid falou sobre o caso apenas em seu último depoimento, em juízo, sob o risco de ter sua delação anulada. Sua declaração foi feita ao Supremo na tarde de 21 de novembro de 2024, cerca de uma hora antes de a Polícia Federal entregar o relatório final da investigação sobre a trama golpista ao STF.

A Polícia Federal não tentou conseguir provas para confirmar a informação de Cid. A PGR, responsável pela denúncia, também decidiu não pedir novas diligências e apresentou a denúncia sem elementos que corroborem esse ponto.

A acusação se ampara no fato de que houve execução de parte do plano. “A alegação de que não teria entregue dinheiro aos responsáveis pela implementação da operação ‘Copa 2022’ é desmentida pelo simples fato de que a ação foi executada pelos militares, que realizaram os gastos previstos na fase de planejamento (hospedagens, passagens aéreas, aluguel de veículos, compra de aparelhos celulares etc.).”

Minutas golpistas

Testemunhas, trocas de mensagens e registros da portaria do Palácio da Alvorada confirmam que Bolsonaro convocou reuniões com os chefes das Forças Armadas para discutir um golpe de Estado.

Em depoimentos, os então comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Bapstista Junior afirmam que o ex-presidente expôs medidas para reverter a vitória de Lula (PT) na eleição.

A PGR diz, com base na delação de Cid, que a primeira versão da minuta foi apresentada pelo ex-assessor da Presidência Filipe Martins em 6 de dezembro de 2022. O texto teria passado por mudanças, por ordem de Bolsonaro.

O conteúdo de uma das minutas foi confirmado por múltiplas fontes —um texto com diversos “considerandos” que fundamentariam um decreto.

Mensagem encontrada pela PF no celular de Cid, enviada a Freire Gomes no dia 9 de dezembro de 2022, diz que Bolsonaro “enxugou o decreto”. “Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né?”

A Procuradoria também conclui que um texto encontrado no celular do então ajudante de ordens seria a minuta apresentada aos chefes das Forças Armadas. O documento, porém, não possui os “considerandos” citados pelas testemunhas e se parecia mais com um discurso.

Gonet também crava na denúncia que a minuta encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres seria a última versão do decreto. Ele diz que a afirmação é do general Freire Gomes. Em juízo, porém, o militar disse que não poderia confirmar a informação, mas sim dizer que o conteúdo dos documentos era parecido.

Conexões com o 8 de Janeiro

Na denúncia, a PGR destaca três capítulos para relacionar os planos golpistas de Bolsonaro com a invasão às sedes dos Poderes no 8 de Janeiro.

No primeiro deles, Gonet destaca os vínculos da organização criminosa com os manifestantes em frente aos quartéis. As provas são, em maior parte, conversas do general Mário Fernandes (réu em outro núcleo) solicitando a integrantes do governo apoio para os bolsonaristas acampados. Em novembro de 2022, Braga Netto também afirmou a manifestantes que pediam intervenção militar: “Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”.

A PGR diz, em outro capítulo, que não há dúvidas de que “o cenário de instabilidade social […] foi fruto de uma longa construção da organização criminosa que se dedicou, desde 2021, a incitar a intervenção militar no país e a disseminar, por múltiplos canais, ataques aos Poderes constitucionais e a espalhar a falsa narrativa do emprego do sistema eletrônico de votação para prejudicar Jair Bolsonaro”.

Gonet diz que não havia somente um apoio subjetivo à insurreição, mas sugere que a organização criminosa liderada por Bolsonaro tinha conhecimento prévio dos ataques de 8 de Janeiro.

“O núcleo central da organização criminosa estava em constante interlocução com as lideranças populares, em claros atos de direcionamento, mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores”, afirma o PGR.

A conclusão da Procuradoria não é reforçada por evidências materiais de que Bolsonaro e os demais réus sabiam da insurreição.

A defesa de Bolsonaro afirma, nas alegações finais, que a relação com o 8 de Janeiro só foi feita porque o Código Penal exige que o crime de golpe de Estado apenas pode ser configurado se houver violência ou grave ameaça.

“Por isso, exatamente por isso, as alternativas subsequentes: a acusação sem provas de que teria liderado o 8 de Janeiro e mandado matar autoridades. Simplesmente porque surge nessas hipóteses a violência almejada”, diz o advogado Celso Vilardi.

folha de São Paulo