A operação foi deflagrada com precisão milimétrica. A poucos dias da entrada em vigor do tarifaço de 50% anunciado por Donald Trump contra produtos estratégicos do Brasil, surge uma nova denúncia, desta vez encabeçada pela organização norte-americana Civilization Works, acusando o ministro Alexandre de Moraes de manter presos manifestantes do 8 de janeiro com base em postagens antigas nas redes sociais e dados biométricos colhidos de forma irregular. O alvo aparente é Moraes, mas o projeto é outro, desestabilizar o sistema judiciário, corroer a legitimidade do Supremo Tribunal Federal e sabotar, por dentro, o país que ousou reconstruir sua soberania.
O timing revela a sincronia da engrenagem. O Brasil avança na regulação das big techs, assume protagonismo nos BRICS, articula rotas comerciais bioceânicas com a China e consolida uma política de reindustrialização voltada à defesa de recursos estratégicos. O ataque não parte de tanques nem de bases militares, mas de documentos narrativamente calibrados para mobilizar a opinião pública internacional e alimentar a militância da extrema direita com denúncias que não dependem de prova, apenas de indignação. O inimigo não é apenas Moraes, é o Brasil fora da coleira.
A estratégia é conhecida. Primeiro, expõem-se casos humanamente chocantes, caminhoneiros e pastoras presos por postagens, idosos condenados sem violência comprovada, mães que perderam tudo. Depois, essas histórias são transformadas em símbolo de um Judiciário supostamente capturado, servindo a um governo autoritário. A partir daí, a narrativa se internacionaliza, o país se torna uma “ditadura judicial”, a Suprema Corte vira “polícia política” e a esquerda no poder é apresentada como inimiga das liberdades civis. É o velho roteiro da guerra híbrida, criar dúvida, gerar indignação e, na sequência, desestabilizar por dentro.
É nesse contexto que surge a denúncia envolvendo Eduardo Tagliaferro, ex-assessor direto de Moraes. Segundo os documentos obtidos, ele coordenava uma força-tarefa informal composta por servidores ligados ao STF e ao TSE, que usava indevidamente o banco de dados biométricos do TSE (GestBio) e monitorava redes sociais para produzir “certidões positivas” contra manifestantes do 8 de janeiro. O critério central era político, postagens com críticas ao governo, símbolos nacionais ou apoio a Bolsonaro eram tratadas como indício de ameaça à democracia. As certidões, elaboradas em grupos de WhatsApp fora do controle institucional, não eram compartilhadas com as defesas nem com o Ministério Público, e serviam como base para manter os acusados presos. Na prática, criou-se um circuito de inteligência paralelo dentro do Judiciário, com métodos incompatíveis com o devido processo legal.
Enquanto estou ao vivo no Boa Noite 247, os autores da denúncia discursam na Câmara dos Deputados, que realiza hoje, 7 de agosto, uma sessão para debater supostas violações processuais em inquéritos do STF relacionados ao 8 de janeiro e à extrema direita. O palco institucional da Câmara é acionado em tempo real como amplificador da narrativa de perseguição política, transformando o dossiê num instrumento de pressão institucional calculada.
O envolvimento da Civilization Works expõe o caráter ideológico da operação. A organização se diz plural, defensora da liberdade, mas atua como peça da engrenagem neoconservadora que articula think tanks privados, big techs e setores da ultradireita global em ofensivas coordenadas contra governos soberanistas. A ausência de transparência sobre seus financiadores, sua ligação com o Mercatus Center (associado à George Mason University e à lógica radical do livre mercado) e seu histórico de campanhas contra regulação ambiental e “ativismo progressista” colocam o dossiê sob forte suspeita. É menos sobre violações de direitos e mais sobre sabotagem geopolítica.
A denúncia opera como gatilho emocional. Não precisa ser comprovada, precisa apenas parecer verossímil. Quando apresentada por um think tank norte-americano, ganha aura de neutralidade. Quando repercutida por veículos internacionais, se transforma em fato político. E quando cai nas mãos da extrema direita brasileira, vira instrumento de pressão para reativar a CPI do STF, acionar cortes internacionais, convocar protestos, provocar instabilidade e, em última instância, inviabilizar o ciclo político iniciado com a vitória de Lula.
Como parte da escalada, a própria embaixada dos Estados Unidos no Brasil lançou uma ameaça velada aos ministros do STF, afirmando que “ninguém está acima da lei” no mesmo dia em que o relatório da Civilization Works veio a público, em mais um gesto explícito de intimidação diplomática. Além disso, dentro do Congresso, Hugo Motta indicou que pautará o projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro se essa for a decisão da maioria dos líderes, sinalizando uma possível reabertura do tema político mais explosivo do momento.
Mas a armadilha é ainda mais profunda. Cada reação institucional do STF será interpretada como censura. Cada defesa do Estado de Direito será lida como abuso de poder. A engrenagem está montada para converter qualquer gesto de contenção em mais combustível para a crise. O que está em jogo não é o direito de manifestação, é a autoridade da Justiça brasileira como último pilar de contenção à ofensiva golpista. A tentativa de criminalizar o STF é parte de uma estratégia mais ampla de desmoralização institucional que visa abrir espaço para chantagem econômica, sanções e isolamento internacional.
Essa lógica é a mesma que conduziu os EUA a desestabilizar países como Venezuela, Bolívia e Irã. Primeiro se cria uma crise moral, depois uma crise institucional e, por fim, uma crise econômica que justifique a intervenção. No caso do Brasil, o objetivo é interromper o avanço de um projeto de desenvolvimento autônomo, sufocar a articulação dos BRICS, fragilizar a retomada da indústria nacional e impedir qualquer tentativa de regulação sobre os fluxos financeiros e informacionais transnacionais. A guerra é híbrida, mas os alvos são concretos, a soberania digital, fiscal, energética e cultural do país.
A denúncia contra Moraes, portanto, deve ser lida não como um escândalo jurídico, mas como um artefato estratégico. Não está isolada, não é espontânea e não busca justiça. É uma peça de uma engrenagem internacional que já começou a agir. E quanto mais o Brasil avançar em sua autonomia, mais ataques virão.
Não é sobre liberdade de expressão, é sobre impedir o Brasil de expressar sua soberania.