Eventos recentes na Venezuela — incluindo a mobilização militar sem precedentes dos EUA no Caribe, ataques contra supostas embarcações do narcotráfico e a apreensão, na semana passada, de um petroleiro sancionado — estão alimentando as esperanças de que uma transição de governo esteja no horizonte. Embora alguns observadores citem o Iraque e a Líbia como exemplos de alerta, esses casos pouco têm em comum com a Venezuela, um país que possui um presidente eleito reconhecido, uma longa história de governo democrático pré-Hugo Chávez e nenhuma das grandes divisões étnicas evidentes em outros cenários. Além disso, o status quo do regime repressivo e criminoso de Maduro no coração do Hemisfério Ocidental é muito pior do que os riscos inerentes à pressão por mudanças pela qual o povo venezuelano já votou.
Está claro, no entanto, que qualquer transição que rompa o controle implacável de um regime autoritário apresenta riscos que devem ser mitigados por um planejamento minucioso e ações políticas abrangentes. Se a Venezuela recuperar sua democracia e liberdade, é fundamental para o interesse dos EUA que o governo legítimo, liderado pelo presidente eleito Edmundo González Urrutia, obtenha sucesso e cumpra as promessas da eleição de 28 de julho de 2024.
A boa notícia é que o planejamento para uma Venezuela pós-Maduro já começou — principalmente pela oposição do país, mas agora também pela administração Trump. A oposição, liderada pela vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Corina Machado, enviou seu plano detalhado para as primeiras 100 horas e os primeiros 100 dias ao governo Trump. Um planejamento de transição significativo também foi realizado durante o primeiro mandato do presidente Trump, e grande parte dele ainda é aplicável ao contexto atual. Esse material pode ser resgatado dos arquivos e atualizado para refletir as circunstâncias presentes.
Existem várias etapas que os EUA devem estar preparados para adotar a fim de auxiliar na recuperação econômica da Venezuela, salvaguardar os interesses nacionais e neutralizar atores autoritários que tentem atrapalhar o retorno à democracia. Os EUA já fornecem apoio humanitário ao país e continuam sendo o maior doador individual de ajuda aos seus cidadãos. Esse suporte precisará continuar no período imediato após a transição para garantir o funcionamento dos serviços essenciais e reduzir rapidamente o sofrimento dos venezuelanos. Para garantir o compartilhamento adequado de custos, os EUA poderiam convocar uma conferência internacional de doadores para assegurar a liberdade da Venezuela e coordenar o apoio de aliados em todo o mundo. O planejamento para isso pode começar agora.
A retomada econômica
A administração Trump desejará, naturalmente, ver o setor privado — liderado por empresas americanas — na vanguarda da reconstrução da Venezuela. O levantamento célere de muitas das sanções econômicas dos EUA sobre uma Venezuela recém-libertada seria apenas o começo. Os EUA devem expandir sua ambição e, imediatamente após a transição, buscar um tratado bilateral de investimentos. Isso poderia assumir várias formas, mas deveria definir as regras de comércio e investimento, garantindo estabilidade e proteções robustas para os investidores e seus ativos. O comércio bilateral entre os EUA e a Venezuela é uma área com potencial de crescimento rápido: atualmente, a Venezuela importa a maior parte de seus alimentos, e o mercado poderia se expandir rapidamente para os exportadores agrícolas dos EUA. Antes do colapso dramático, a Venezuela era um dos três principais destinos das exportações agrícolas americanas na América Latina, importando milho, trigo, arroz, aves e laticínios.
A vasta riqueza de recursos da Venezuela, que inclui uma das maiores reservas de petróleo do mundo — cerca de 17% das reservas globais —, gás natural e abundantes jazidas minerais, pode servir como o motor econômico da reconstrução. No entanto, as indústrias extrativas também exigem muito capital e sofreram expropriações no país ao longo de muitos anos. Sem um tratado bilateral de investimentos finalizado rapidamente, que inclua garantias críveis de estabilidade, esse investimento estrangeiro pode demorar a engrenar.

A estrutura judiciária
De forma relacionada, o sistema judiciário da Venezuela foi aparelhado e subvertido pelo chavismo, transformando-se em uma das principais armas do regime de Maduro contra a oposição e o setor privado. A confiança em um sistema judiciário pós-chavismo será inexistente, e a reforma do judiciário não é fácil nem rápida.
Uma maneira de recuperar rapidamente a confiança dos investidores seria o retorno da Venezuela ao Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), o órgão de arbitragem internacional sediado no Banco Mundial. A Venezuela denunciou o tratado e retirou-se do ICSID em 2012; na época, o governo Chávez argumentou que o órgão violava a constituição do país, que dava aos tribunais nacionais o direito de decidir tais questões e proibia expressamente qualquer coisa que pudesse dar “origem a reivindicações estrangeiras”.
Outro passo positivo seria um processo estruturado e baseado no Estado de Direito para restituir as propriedades e investimentos ilegalmente tomados por Chávez e Maduro, seguido pelo potencial restabelecimento dos termos dos contratos originais. Como membro da Assembleia Nacional da Venezuela, a líder da oposição Machado desafiou as expropriações de Chávez e as denunciou como “roubo”. Poucas medidas seriam um símbolo mais poderoso de uma Venezuela pós-chavismo do que reverter essas expropriações e fazer valer os direitos de propriedade.
Bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, desempenharão papéis críticos, e os EUA devem incentivar o crédito nessas instâncias. Esses credores precisarão estruturar programas dedicados ao financiamento de projetos de infraestrutura e à reconstrução dos diversos setores que o chavismo saqueou ou deixou deteriorar. O país provavelmente precisará de um pacote de financiamento rápido para ajuda humanitária, estabilização macroeconômica e reconstrução dos sistemas de saúde e educação, que estão em frangalhos. Atender às enormes necessidades sociais do país terá de ser uma prioridade máxima e imediata. Além disso, a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional (DFC) dos EUA deve estabelecer e equipar totalmente uma unidade dedicada ao sucesso da Venezuela pós-transição. A DFC precisa eliminar a burocracia e acelerar seus processos para financiar projetos de interesse dos EUA, alinhados aos planos de recuperação do novo governo venezuelano. O Congresso deve apoiar um cronograma acelerado para a notificação de projetos na Venezuela e sinalizar claramente à DFC que ela tem o mandato para ser proativa em projetos que apoiem o interesse americano na reconstrução do país.
O papel da diplomacia
A Embaixada dos EUA em Caracas permanece fechada, com a seção de interesses operando atualmente a partir de Bogotá, na Colômbia. A embaixada precisará ser reaberta e sua equipe recomposta o mais rápido possível para demonstrar confiança na nova Venezuela.
O planejamento da transição nesse setor precisará incluir segurança adequada para o pessoal que retorna, mas a administração Trump deve ir além do planejamento tradicional. Seria prudente focar a reabertura imediata na criação de uma seção de assuntos comerciais bem estruturada para auxiliar o setor privado e dissuadir grandes potências rivais, como China e Rússia, que estão presentes na Venezuela há anos e poderiam tentar desempenhar papéis de sabotagem.
A Embaixada dos EUA também se beneficiaria de ter um adido do Tesouro no local para auxiliar na estabilização do banco central da Venezuela pós-transição e monitorar os programas do FMI e de outras instituições financeiras internacionais. A estratégia de segurança nacional de Trump observou corretamente que a defesa das empresas do setor privado americano no exterior é uma função central da diplomacia dos EUA — uma transição que afaste o regime de Maduro na Venezuela testará os limites desse princípio da política de segurança nacional.
No final das contas, caberá à Venezuela e aos venezuelanos traçar seu próprio futuro. No entanto, os EUA podem e devem perseguir seus interesses apoiando os atores democráticos do país e reconstruindo suas instituições.
Por décadas, María Corina Machado demonstrou apoio ao livre mercado, defendeu os direitos de propriedade e falou em aumentar o investimento estrangeiro direto. Os EUA devem fazer tudo o que puderem, desde já, para estarem prontos para um novo dia na Venezuela. Embora uma transição pós-chavismo não seja isenta de falhas ou riscos, planejar agora a recuperação econômica do país ajudará a garantir o sucesso. Os Estados Unidos devem pensar grande.